Artigo 1 : Descrição

O artigo seguinte é uma reflexão sobre o processo de investigação de Localismos. Creio que resume alguns dos pontos recorrentes manifestos nas entrevistas. Por outro lado, pretende apontar algumas das dicotomias associadas aos projectos de Arte e Comunidade.





Descrição

Localismos é um projecto de investigação de projectos artísticos de âmbito social na Holanda. Não se trata de um projecto artístico mas de recolha de informação. As associações e os projectos pesquisados compõem um largo espectro entre a arte comunitária (ênfase no processo participativo) e a arte na comunidade (ênfase no produto artístico), com práticas muito diversificadas e diferentes escalas de influência. Cada uma das instituições pesquisadas é objecto de criação de um perfil on-line (localisms.blogspot.com) onde figura o material, entre entrevistas, projectos e links. A razão da escolha da Holanda prende-se com o facto de ser um espaço onde políticas culturais em andamento desde há alguns anos apostaram no desenvolvimento de projectos artísticos que visassem a interaccção e a integração de comunidades.

De facto, a ideia de social tem vindo a reformular uma série de disciplinas: teatro, arquitectura, design. As experiências multiplicam-se e cada vez mais o "social" se torna um ambíguo critério de política cultural, alimentando reais necessidades de integração, mas também servindo programas políticos ou simplesmente experiências isoladas de artistas. Também em Portugal esta tendência se acentua e este trabalho é uma resposta complementar à informação que vai circulando. Sendo um projecto de investigação serve sobretudo para dar a ver e essa é, para mim, a mais importante tarefa. Não procuro definir ou mapear conceitos e projectos mas compor um case-study que abra a discussão a temas recorrentes, tomando como exemplo a experiência holandesa e que, ao mesmo tempo, constitua um contexto para projectos semelhantes.

Considero que, em Portugal, há uma série de projectos semelhantes que começam a aparecer e outros a consolidarem-se. Mas, no geral, parece haver uma falta de consciência das artes comunitárias/ na comunidade como disciplina "interdisciplinar", e que os agentes artísticos se movem de forma isolada, espontânea e esporádica, por vezes mais interessados na experimentação que na criação de uma experiência contínua. Não havendo uma grande consciência dos conceitos envolvidos (comunidade, empowerment, participação), também as políticas culturais acabam por reflectir essa incerteza. Os projectos acabam por encaixar na grande neblina dos projectos transdisciplinares. Há vários exemplos desta dispersão mas, felizmente, melhores exemplos das oportunidades que existem no actual tecido artístico português:
- os Serviços Educativos dos teatros e dos museus são departamentos interdisciplinares que focam muito mais em processos que em resultados e, nesse sentido podem agir de forma comunitária;
- da mesma forma, as companhias, festivais e espaços de residência artística descentralizados estão em permanente contacto com as comunidades a diversos níveis de troca cultural;
- há uma progressiva "reciclagem" de corpos directivos de associações locais, onde as novas direcções, mais jovens, trocam os torneios de xadrez por maratonas fotográficas, debates, oficinas;
- (finalmente) começa a haver um princípio de movimento activista, com eventos organizados, sites e redes de contactos, reinvendicando formas alternativas de interacção, organização, participação cívica;
- e deve-se ainda considerar uma grande margem de animadores sociais, assistentes, trabalhadores que agem como mediadores entre comunidades e poderes locais e supra-locais. Essas pessoas, essa mediação, pode também ser tocada por estes conceitos e práticas artísticas.

Assim, este projecto pretende contribuir com Contexto:
- para uma redução do isolamento dos artistas, da qual resultam trabalhos incompletos e subaproveitados no seu potencial, para incentivar a comunicação entre agentes artísticos e sociais, ligações e redes;
- para que haja um desenvolvimento de projectos de âmbito local sem que isso implique um fechamento, havendo consciência de que este tipo de projectos elaboram reconfigurações da relação local-global;
- para que, pela diversidade de projectos apresentada, se crie um largo leque de opções, das práticas possíveis e modelos aplicáveis em cada caso;
- para que se perceba que, em muitos projectos, há uma potência institucional, e que o projecto pontual ou a continuidade de um projecto implicam organizações administrativas e financeiras, equipas de cinco pessoas ou de oitocentas pessoas, associações locais ou fundações;
- para que fique claro que não há desenvolvimento artístico ou comunitário sem uma adaptação das políticas culturais, quer no financiamento, quer no planeamento, não só pelos poderes públicos mas também pelos agentes culturais e sociais e económicos locais.
- que também os agentes artísticos e sociais devem ter uma consciência do que é política local e supra local, do que implica um projecto social em termos de tempo, espaço, escolhas, impacto e influência, de como um projecto serve ou não os interesses de quem.


próximo capítulo



.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.